Influência da desigualdade na tributação
Na mesma onda de Thomas Piketty (“Le capital au XXie siecle”) e George Packer (“The unwinding – An inner history of the new America”), o alemão Wolfgang Streeck (“New Left Review”) também tem a sua análise sobre o atual momento do capitalismo. Segundo este último escritor, a crise do modelo capitalista está sustentada no seguinte tripé: baixo crescimento econômico, endividamento e desigualdade. Esses três vetores estariam inter-relacionados por meio de recíprocas relações de causas e efeitos – aqui termina a referência a Streeck.
A superação dessa crise deve seguir um de dois caminhos: o abandono da estrutura capitalista ou a reformulação da cultura capitalista. De certa maneira, esses mesmos vetores e a mesma estratégia de superação da crise podem ser analisados no contexto brasileiro. Considerando que a Constituição Federal adota o regime capitalista, vou me limitar ao segundo dos dois caminhos mencionados.
Recentemente, a política brasileira para a redução da desigualdade baseou-se no endividamento, quer público quer privado. De início, deve ser advertido que a igualdade foi entendida como integração das classes C, D e E (economicamente menos favorecidas) ao mercado consumidor, de mercadorias e de serviços, embora a universalização do acesso venha sendo alcançada ao custo da qualidade (veja-se o caso da educação).
Entendo que incluir pessoas no mercado de consumo não se identifica com proporcionar igualdade. A redução da desigualdade requer a inclusão de pessoas na geração da riqueza a ser distribuída, como são exemplos: a qualificação para o desempenho de funções bem remuneradas e a garantia de segurança jurídica para o empreendedorismo e o desenvolvimento tecnológico. Da mesma forma que a baleeira não é utilizada para viagens marítimas, e sim para levar os náufragos até um porto seguro (terra firma ou outra embarcação), os programas sociais não servem como permanente fonte de riqueza, mas para preparar a pessoa para sua realização plena: econômica, social e cultural.
Voltando à situação presente, o endividamento público foi utilizado para financiar os programas assistenciais, como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e outros, além do aumento do salário mínimo, que impactou no orçamento de Estados e municípios. Em paralelo, a igualdade de consumo acabou por ser possível também em razão da expansão do crédito e do microcrédito. Ocorre que essa política tem demonstrado sinais de esgotamento.
Num quadro que soma a dificuldade na administração e na expansão da dívida, pública e privada (confiram-se os índices de inadimplência), e a taxa de crescimento econômico próxima de zero (0,3% do PIB segundo a última previsão do Fundo Monetário Internacional), a desigualdade somente será reduzida se for retirada riqueza de quem tem para transferir aos que não têm ou que têm menos. Inserido nesse contexto, a redução da desigualdade dependerá do Robin Hood ou da tributação. Neste último caso, há uma solução quase que exclusiva: alta taxação do capital e do patrimônio.
A mim não me parece que existe alternativa viável à política econômica atualmente aplicada no Brasil, que poderá, com alto grau de probabilidade, chegar à encruzilhada descrita acima. Mantendo-se a estrutura capitalista, o foco da política econômica deveria ser o crescimento econômico, especialmente no fomento à produção de riqueza tangível (indústria, comércio e serviços). Ocorre que esse fomento não pode ser realizado por meio da concessão de incentivos fiscais para setores ou produtos específicos, mas deveria contemplar a simplificação do controle tributário, possível por meio dos controles eletrônicos, e o investimento em infraestrutura, no seu sentido mais amplo.
Havendo crescimento econômico, a atual carga tributária (relação arrecadação/PIB) poderia ser mantida e até ampliada, reduzindo-se, contudo, a carga tributária individual, suportada por cada empresa e por cada pessoa física. Nesse quadro seria possível viabilizar a necessária reforma tributária, implementando no Brasil um único imposto genérico sobre o consumo, de competência federal, incidente sobre o valor agregado. Com isso, o sistema tributário brasileiro seria ainda mais simplificado, racionalizado e poderia buscar a justiça fiscal, invertendo a atual relação entre a tributação direta e a tributação indireta, que seria mais uma contribuição à redução da desigualdade.
Certamente, o assunto tem complexidade maior, mas essas são algumas ideias lançadas para discussão. Também é certo que, seja qual for o nome escolhido nas eleições democráticas, o governo que está aí tem que mudar. Portanto, a apreensão demonstrada pelos empresários brasileiros, a espera de definições para a decisão sobre investimentos, é plenamente justificada.
Fonte: Valor Econômico